A Humanidade da Ilha das Flores

Artur Júnior dos Santos Lopes

Difícil tarefa é descortinar a visão sobre a humanidade. Ainda mais complexa se torna esta atividade quando colocada diante da realidade vivida nos aterros de lixo da Ilha das Flores. Não pretendo usar de formalismos estéticos para isso, pois creio que a intenção ficaria prejudicada. Vou privilegiar a escrita descomprometida e o aprofundamento do pensamento, correndo o risco, de assim estar fora dos padrões acadêmicos.

Gostaria de começar verificando como valorizamos as coisas de uma forma geral, não faço desta propositura uma generalização da forma, mas credito-lhe a certeza de ser uma das mais utilizadas na nossa sociedade ocidental, capitalista, excludente, progressista, evolucionista, cartesiana, etc.

Vou me valer dos conceitos utilizados por Vazquez que propõe que nos ocupemos primeiro em estudar os valores das coisas materiais, quer naturais ou produzidas pelo homem. Neste ponto o autor se detém na descrição física dos materiais que observa. Usa-se o exemplo da prata.

Podemos falar nela tal como existe em seu estado natural nas jazidas respectivas, e então um corpo inorgânico que possui certa estrutura e composição , bem como determinadas propriedades naturais que lhe são inerentes. Podemos falar também da prata transformada pelo trabalho humano e, então, já possuímos um mineral em seu estado puro ou natural, mas um objeto de prata . Como material trabalhado pelo homem, serve, neste caso para produzir braceletes, anéis ou outros objetos de enfeite, para a fabricação de serviços de mesa, cinzeiros, etc., podendo ainda ser utilizada como moeda.

Daí percebe-se que a prata tem um valor enquanto objeto natural e um outro valor humanizado. Em quanto objeto natural tem um valor isolado que interessa apenas a si mesma. Mas quando humanizado é necessário que se verifique propriedades, que são:

Estéticas: “servir de enfeite ou produzir uma prazer desinteressado quando contemplado.”

Prático utilitárias: “servir para produzir objetos de utilidade prática”

Econômicas: “servir como moeda, de meio de circulação , entesouramento ou pagamento.”

Faz-se importante salientar que as propriedades naturais existem indiferentemente da relação do homem com o objeto e são independentes das demais propriedades que o homem lhe atribui. Opostamente as outras só existem em função da relação do ser humano com o objeto e são dependentes das características naturais.

Proponho pensarmos sobre o valor do ser humano. Quando vale o ser humano? É possível quantificar algo único? Qual a importância do personalizado? Talvez tenhamos como uma resposta, provisoriamente válida que o valor do ser humano é intangível. O valor do ser humano por ser único é infinito. Depreende-se daí o ponto onde quero chegar:

Devido ao ser humano, enquanto indivíduo ser único, o valor dele torna-se muito superior a qualquer outra coisa que possamos valorar.

Bueno, se daí conseguimos sintetizar que o valor do ser humano é algo impressificável, pois que dinheiro e riqueza posso produzir e encontrar, e acumular em fartura e relativa facilidade. Então, onde está a distorção que faz com que o ser humano tenha menos valor que porcos, que interesses econômicos, que interesses políticos?

Não me atrevo a responder esta pergunta. Mas isso não quer dizer que sobre o tema não vá me pronunciar e colocar minhas impressões.

Parece-me que, no nosso contexto, procuramos precificar tudo. Qual o preço do meu trabalho? Qual o preço de meus títulos (“canudos”, graduações, diplomações, etc)? Quanto gastei para me titular e quanto vou cobrar por todo este sacrifício? Faça o seu preço! “Todo o homem tem um preço!”

Pode-se perceber o tom de nossa conversa. Podemos verificar onde se está focando na nossa modernidade e o quanto disso está sendo continuado nos nossos “Tempos Hipermodernos”.

O nosso racionalismo cartesiano, não está privilegiando o foco no valor, está levando para o “fetichismo da mercadoria” como já dizia Marx. Onde se abstrai do valor das coisas para conferir-lhes apenas um preço. Afirma-se Nietzsche que coloca que ao atribuirmos preço as coisas subtraimo-lhes o valor.

Desta maneira, percebo fenômeno supracitado, quando assisto o referido filme e quando sou convidado a escrever sobre a visão de humanidade que está ali explicita.

No filme não se vê seres humanos, mas uma redução de valor que é dada as coisas por causa de uma precificação exacerbada, onde tudo vale em função do seu preço, ou do lucro que pode produzir. Está desconsiderada toda a relação que o outro tem para comigo. Esta quebrada toda a relação moral. É uma denúncia a fragilidade do Estado que não pode conceder os requisitos mínimos de dignidade ao ser humano. É uma afronta a qualquer órgão que se diga atuante nas questões dos direitos humanos. É a demonstração mais covarde da violência da sociedade para com a sociedade. É o símbolo da repgnacia, da repulsa do ser humano para com o próprio ser humano. É a redução do máximo ao mínimo!

Porto Alegre, 28 de Agosto de 2005