Rubem Alves: A arte de perguntar

Artur Júnior dos Santos Lopes

Estava lendo um texto para a aula de Psicologia da Aprendizagem, e me deparei com algo que me emocionou: perguntas! E ainda mais. Na continuação do texto percebi o quão bela era a ideia do autor. Por isso, compartilho com vocês alguns excertos.

"Mas, o que é que as crianças querem aprender? Pois, faz uns dias, recebi de uma professora, Edith Chacon Theodoro, uma carta digna de uma educadora e, anexada a ela, uma lista de perguntas que seus alunos haviam feito, espontaneamente. “Por que o mundo gira em torno dele e do sol? Por que a vida é justa com poucos e tão injusta com muitos? Por que o céu é azul? Quem foi que inventou o Português? Como foi que os homens e as mulheres chegaram a descobrir as letras e as sílabas? Como a explosão do Big Bang foi originada? Será que existe inferno? Como pode ter alguém que não goste de planta? Quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Um cego sabe o que é uma cor? Se na Arca de Noé havia muitos animais selvagens, por que um não comeu o outro? Para onde vou depois de morrer? Por que eu adoro música e instrumentos musicais se ninguém na minha família toca nada? Por que sou nervoso? Por que há vento? Por que as pessoas boas morrem mais cedo? Por que a chuva cai em gotas e não tudo de uma vez?”" ALVES, Rubem. O desejo de ensinar e a arte de aprender. Campinas, Fundação Educar DPaschoal, 2004. p. 14

Os gregos diziam que a cabeça a pensar quando os olhos ficam estupidificados diante de um objeto. Pensamos para decifrar o enigma da visão. pág. 9;

queria descer da sua posição para fazer uma coisa muito simples: educar uma criança, uma única criança, que ainda não tivesse sido deformada pela escola. pág. 9;

Fiquei a imaginar o que vai acontecer com a Dinéia quando na escola, os seus olhinhos curiosos forem subtraídos do fascínio das coisas do mundo que a cerca, e forem obrigados a seguir aquilo a que os probrmas obrigam. Será possível aprender sem que os olhos estejam fascinados pelo objeto misterioso que os desafia? pág. 11;

O que é que as crianças querem aprender? pág. 14

"Os limites da minha linguagem denotam o limite do meu mundo" Wittgenstein, pág. 16

Mas as instituições são criações humanas. Podem ser mudadas. E, se forem mudadas, os professores aprenderão o prazer de beber águas de outros ribeirões e voltarão a fazer as perguntas que faziam quando crianças.

pág. 17

"Não quero faca nem queijo; quero é fome" pág. 19

"Babette e Tita, feiticeiras, sabiam que os banquetes não se iniciam com a comida que se serve. Eles se iniciam com a fome. A verdadeira cozinheira é aquela que sabe a arte de produzir a fome." pág. 20

Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva.

É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O

pensamento nasce do afeto, nasce da fome. Não confundir afeto com

beijinhos e carinho. Afeto, do latim affetare, quer dizer ir atrás. O "afeto" é o movimento da alma na busca do objeto de sua fome. É o eros platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado. pág. 20

o pensamento é a ponte que o corpo constrói a fim de chegar ao objeto de seu desejo. pág. 21

Esse é o pecado de muitos pais e professores que ensinam as respostas antes que tivesse havido perguntas. pág. 21

conhecimentos são extensões do corpo para arealização do desejo. pág. 22

a tarefa do professor é a mesma da cozinheira: antes de dar a faca e o queijo ao aluno, provocar a fome. Se ele tiver fome, mesmo que não haja queijo ele acabará por fazer uma maquineta de roubar queijos. pág. 23

Vocês valem os artigos que publicam: "publish or perish"! pág. 28

Ridendo dicere severum: rindo, dizer as coisas sérias... pág. 34

Pois o mesmo mecanismo acontece na educação. Quando se admira um mestre, o coração dá ordens à inteligência para aprender as coisas que o mestre sabe. pág. 35

Brinquedo, pra ser brinquedo, tem que ser um desafio. pág. 38

Há brinquedos que são desafios ao corpo, à sua força, habilidade, paciência... E há brinquedos que são desafios à inteligência. A inteligência gosta de brincar. Brincando ela salta e fica mais inteligente ainda. Brinquedo é tônico para a inteligência. Mas se ela tem de fazer coisas que não são desafios, ela fica preguiçosa e emburrecida. pág. 39

Repentinamente percebi que a primeira tarefa do professor é, à semelhança dos pregos, entortar a sua “disciplina” (ô, palavra feia, imprópria para uma escola!) e transformá-la num brinquedo que desafie a inteligência do aluno. pág. 41

Minha curiosidade me levou a desmontar o relógio de pulso de minha mãe, o único que ela tinha. Queria saber como ele funcionava, aquelas engrenagens fascinantes. Infelizmente, não consegui montá-lo de novo. pág. 46

O seu interesse natural desaparece quando, nas escolas, a sua curiosidade é sufocada pelos programas impostos pela burocracia governamental. pág. 47

Os professores não são aqueles que conhecem os saberes. São aqueles que sabem encontrar caminhos para eles. pág. 49

Se os alunos tiverem os mapas e souberem encontrar o caminho, eles terão sempre condições de descobrir o que sua curiosidade pede. E os professores, por não saberem de antemão o que as crianças querem saber, têm de se tornar aprendizes junto às crianças. ibid

Para que aquela menina estivesse escrevendo um texto para as crianças era preciso que não houvesse paredes separando-a dos “miúdos”, que eles ocupassem o mesmo espaço e que existisse entre eles relações de comunicação, confiança e responsabilidade. pág. 50

Hoje, na Escola da Ponte, quando algum aluno começa a apresentar problemas de comportamento, essa comissão se adianta e nomeia colegas para ajudá-lo, com a missão de estar sempre por perto do dito aluno. E, quando se percebe que ele vai fazer algo inadequado, os colegas entram em ação para tentar dissuadi-lo. pág. 53

Cada criança é única, com seus próprios sonhos, ritmos e interesses. A escola não pode destruir essa criança para amoldá-la a uma “forma”. O objetivo da escola é criar um espaço em que cada criança possa pensar os seus sonhos e realizar aquilo que lhe é possível, no ritmo que lhe é possível. pág. 54

Então, qual é o sentido instrumental dos saberes abstratos igualmente prescritos a todas as crianças pelos programas? Não admira que sejam logo esquecidos. pág. 55

“Que é que o senhor deseja?”, lhe perguntaria o garçom. Ele certamente responderia falando de polenta, feijão, abobrinha, picadinho de carne, pois esse é o seu repertório de pratos. Aí, o amigo lhe diria: “Quero sugerir que você experimente uns pratos diferentes”. Assim acontece na relação entre professores e alunos. Os professores sabem mais. É por isso que são professores. E uma de suas tarefas é “seduzir” as crianças para coisas que elas ainda não experimentaram. pág. 56

“A primeira tarefa da educação é ensinar a ver”, dizia o filósofo Nietzsche. Não é obrigatório que elas gostem do que vêem. Mas é importante que seus horizontes se alarguem. ibid

A Nona Sinfonia, de Beethoven, não é o conjunto de suas notas. Ela não se inicia com notas e acordes. A totalidade vem primeiro e é só em relação a ela que as partes têm sentido. Assim é o corpo: uma entidade musical. Nenhuma de suas partes tem sentido em si mesma. É a melodia central do corpo que faz as partes dançarem. Mas os nossos jovens, diante do vestibular – e é preciso não esquecer que os programas das escolas se orientam no sentido de preparar para o vestibular –, trazem consigo as partes desmembradas de um corpo morto: uma soma enorme de informações que não formam um todo significativo. Física, química, biologia, história, geografia, literatura, como se relacionam? Fazem-se então esforços inúteis de interdisciplinaridade. Inúteis porque o todo não se constrói juntando-se as partes. pág. 60

Porto Alegre, 21 de Setembro de 2013