Conclusão da Monografia

4 CONCLUSÃO

Tendo sido finalizada a primeira parte deste trabalho, a reconstrução histórica, ficamos agora com as considerações a respeito do que foi possível compreender da filosofia crítica trabalhada por Honneth que teve clara influência hegeliana, e principalmente, verificar se esta reconstrução irá ajudar a responder as questões que surgiram na introdução deste trabalho, a saber:

· Quais são os mecanismos que compõem a axiologia hegemônica?

· Como nos apropriarmos dos instrumentos que realizam a alienação social, e consequentemente o esvaziamento axiológico?

· Como manejá-los a fim de termos uma sociedade mais igualitária, onde o ser humano saia da condição de mero comódite e assuma seu papel de construtor histórico e social do seu tempo?

Com intenção didática, e reconhecendo a importância da apropriação da filosofia do jovem Hegel para a luta por reconhecimento, rememorarei a linha que nos trouxe até aqui. Iniciamos com a apresentação da filosofia social representada por Hobbes e Maquiavel a qual Hegel atribuiu os princípios de intersubjetividade os quais possibilitaram a teorização da formação da pessoa através da doutrina do reconhecimento de Fichte. Este processo possibilitou a internalização das motivações de lutas, pois através da resolução de conflitos que estavam pressionados pela intersubjetividade oriunda das relações sociais em um processo reflexivo, foi possível perceber que não há uma determinação externa para que se lute, a motivação da luta é interna e esta luta está em busca de validação externa, de valoração, de prestigio, em outras palavras de reconhecimento intersubjetivo. O refinamento deste reconhecimento intersubjetivo vai se dar ao longo da reconstrução histórica, primeiro o reconhecimento ocorre na esfera do “Amor” para Honneth, que foi herança da eticidade natural hegeliana. Mas não podemos dizer que são a mesma coisa, nem mesmo com a atualização teórica proposta no espírito subjetivo. Para esta esfera Honneth busca oferecer uma teorização empírica, apoiando sua tese principalmente em Mead e em Winnicott. Segundo Honneth a questão da divisão da consciência entre o “Eu” e o “Me”, Meadiniano, acrescentam ao reconhecimento um caráter empírico, o qual Mead foi buscar na psicologia, e assim pode-se ganhar validade para o conceito Hegeliano dentro de uma abordagem pós-metafisica. Esta abordagem permite que se utilize o estudo de Winnicott sobre a primeira infância para que se possa perceber a importância do papel da relação da mãe com o bebê para a formação da primeira categoria que será utilizada na construção da estrutura social: a autoconfiança. Tendo como base esta estrutura podemos passar para a segunda esfera dentro da teoria do reconhecimento.

Dito isso, já estamos na esfera do “Direito”, e podemos perceber a importância do crime como fator que amplia a esfera jurídica, na visão hegeliana, uma vez que o crime é a expressão de uma demanda não reconhecida e faz com que o sistema jurídico se regule, para que o crime tenha o tratamento adequado; ampliando o próprio sistema jurídico ou reconhecendo o demandante e sua causa. Também está inscrita neste ponto a Luta de Vida e Morte, que para Hegel tem fundamental importância, pois é a partir da possibilidade de engajar-se em uma luta tão radical que se consegue chegar a uma comunidade de cidadãos livres. Honneth também percebe a fundamentalidade desta luta, já está inscrita na esfera do “Amor” onde o bebê que luta com a mãe afirma sua autoconfiança em uma luta de vida e morte.

Pode-se perceber na Realphilosophie que Hegel aponta para a importância do trabalho como sendo o objetivador da pessoa, o trabalho e o instrumento são as formas que o sujeito tem de se colocar como objeto através da interação com o mundo, e assim pode se ver refletido como executor de sua vontade. Mead acompanha distinção semelhante, ao apresentar o trabalho como sendo o divisor das atividades humanas e como sendo responsável pelo sentimento de valoração do indivíduo na sociedade, como sendo um colaborador social. Nesta esfera ganham especial sentido a formulação do contrato que “adquire a forma reflexiva de um saber linguisticamente mediatizado[1]” serve para que o direito assuma o papel coercitivo sobre a vontade que foi empenhada, e também para que o reconhecimento social que se expressou seja objetivado. Na Fenomenologia do Espírito, também foi possível perceber que há uma divisão da consciência em dois organismos: uma consciência-de-si autônoma, e uma consciência-de-si dependente, movimento que, reservadas as distinções, se assemelha a teoria de Mead da divisão da consciência em um “Eu” e um “Me”. O ganho que Mead apresenta aqui sobre Hegel é a abordagem empírica que toma de empréstimo da psicologia. A teoria de Winnicott serviu de base para os estudos de Jessica Benjamim que relacionou distúrbios da personalidade adulta como o sadismo e o masoquismo a distúrbios da esfera do “Amor” relacionada a problemas com a formação da autoconfiança que agora se manifestam na esfera do “Direito”, onde ocorrem problemas para que o autorrespeito venha a se efetivar, pois segundo Mead houve o problema para introjetar as relações normativas captadas pelo “Me” e a possibilidade de interação do “Eu” com estas normas, não se percebendo como portadoras de deveres, e por consequência também portadora de direitos, que pode realizar a ampliação dos direitos reconhecidos através da pressão realizada sobre a sociedade este processo irá gerar o órgão de autocertificação ética. Na esfera do direito, Honneth persegue uma fundamentação universalista, onde não haja privilégios nem exceções. Verificamos a divisão do direito em “direitos liberais de liberdade”, “direitos políticos e de participação” e “direitos sociais e de bem-estar”.

Neste ponto estamos prestes a entrar na terceira esfera que em Hegel é tida como “Espírito Absoluto”, em Mead a “Divisão comunitária do trabalho”, em Scheler a “comunidade de pessoas” e em Honneth a “Solidariedade”. A esfera da Solidariedade está relacionada à estima social, onde interesses individuais se coadunam e são negociados através de um reconhecimento intersubjetivo com a intenção de que se tornem reconhecidos socialmente. Desta maneira os indivíduos se solidarizam em objetivos que nem sempre são comuns, mas que precisam ser respeitados e positivados, pois a lógica bicondicional recíproca reflexiva é que faz com que daí se depreenda esta reciprocidade. O que possibilita este mútuo interesse, segundo Honneth é a autocompreensão cultural de uma sociedade, nos termos: “Luto contigo para que teus interesses sejam reconhecidos, logo, espero que lutes comigo para que meus interesses sejam reconhecidos”. Na esfera da Solidariedade entra a categoria da autocompreensão. Está estabelecida nesta esfera uma grande tensão, sempre atualizada, que não se resolve, mas que é necessária: a tensão cultural para que a esfera do direito se amplie a ponto de reconhecer as biografias individuais. A ampliação da quantidade de indivíduos que se colocam perante a este sistema colaborativamente a fim de que se consiga estabelecer uma sistema-vivo-humano-juridicamente-ordenado.

A partir desta rememoração, verificaremos quais são os pressupostos para cada uma das três esferas:

Esfera do “Amor”:

Desenvolvimento afetivo “mãe/bebê” baseado na relação simbiótica/autônoma visando o desenvolvimento da autoconfiança;

O que é necessário para que isso ocorra?

· Dedicação exclusiva da mãe ao bebê;

· Desenvolvimento das habilidades da mãe de compreender o processo destrutivo do bebê;

· Sistema de ajuste para resignificação desta fase em indivíduos adultos que tiveram problema com esta fase na primeira infância;

Esfera do “Direito”

Desenvolvimento do autorrespeito através de ações que reivindiquem o reconhecimento político/jurídico;

O que é necessário para que isso ocorra?

· Superação positiva dos pressupostos da esfera do “Amor”;

· A orientação da educação básica para a formação jurídica necessária visando que o individuo se perceba como um construtor do ordenamento jurídico;

· Satisfação das necessidades básicas da vida humana, para que o indivíduo possa se preocupar com questões que não sejam apenas práticas e de sobrevivência, podendo voltar sua atenção para as questões juspoliticas;

· Praticar a resistência e o protesto ativo;

Esfera da “Solidariedade”

Realizar uma teoria política que dê conta do desafio de encampar um número cada vez maior de indivíduos com características próprias e que precisam participar do processo de formação de reconhecimento solidário.

O que é necessário para que isso ocorra?

· Superação positiva dos pressupostos da esfera do “Direito”;

· Disposição para operar os mecanismos formadores de opinião pública;

Apresentados os pressupostos que entendo como sendo fundamentais para o estabelecimento de uma luta por reconhecimento intersubjetiva que leve em conta as características subjetivas de cada um, passo a busca de respostas, mesmo que provisórias, às questões anteriormente levantadas.

Pelo que pude depreender no decurso desta pesquisa, os mecanismos que compõem o complexo sistema axiológico hegemônico estão baseados fundamentalmente na estruturação estamental definida pelo sistema financeiro e dos seus beneficiários. No domínio do sistema de produção cultural por estamentos que visam a sua perpetuação e a definição de padrões que facilitem a relação de alienação e consumo, não havendo preocupação com o desenvolvimento de ações que afirmem pessoas, apenas a afirmação da manutenção do “lucro”.

A apropriação dos instrumentos que realizam a alienação social e consequentemente o esvaziamento axiológico pode se dar através de uma educação que busque a valorização humana em detrimento apenas do desenvolvimento técnico. O tecnicismo/racionalismo tem demonstrado apenas satisfazer a necessidade dos sistemas culturais estabelecidos e baseados em uma relação de produção e consumo. Também a necessidade de satisfação das necessidades básicas relacionadas ao suporte da vida humana, fazendo que o tempo empregado para a manutenção da vida prática seja reduzido, assim sendo possível a utilização do tempo para o desenvolvimento intelectual e a apropriação do sentido das próprias vidas.

Creio que a partir do desenvolvimento de uma filosofia social que contemple uma teorização política baseada na luta por reconhecimento, o fomento da reivindicação por reconhecimento, a utilização dos mecanismos legais e das formas de pressão sociais e culturais seja possível que o ser humano assuma papel de destaque na construção histórica de seu tempo, deixando de ser um mero comódite, apenas uma manada, para ser sujeito de sua própria historia.

Me parece um exemplo desta luta por reconhecimento o movimento Occupy Wall Street (Ocupe Wall Street) na qual os indivíduos buscam o reconhecimento de suas individualidades frente ao sistema financeiro hegemônico, e se utilizam dos meios de opinião pública e do crime para que se legitimem suas demandas[2].

Desta forma creio que a afirmação de uma filosofia brasileira, que busque reconhecimento através de uma orientação centrada no indivíduo, nas capacidades de solidarização, e principalmente em uma luta por reconhecimento atualizada para uma sociedade pós-tradicional que possa contribuir de forma diferenciada para a realização destes objetivos.

[1] HEGEL, 2006, § 229

[2] WIKIPEDIA